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1.
Buraco Negro 02:11
não sei se ainda é cedo ou tarde para acordar sem abrir meus olhos sinto a noite chegar eu tenho muita fome mas não o que jantar deslizo os meus dedos nos lençóis e me ergo sorrindo aqui dentro e com vontade de chorar o céu se abre, aí eu vejo um milhão de brasileiros rumo a um buraco negro ao destino derradeiro o céu se rompe e eu entendo eles deixam seu desejo e eu tento não me entregar
2.
Evereste 03:13
no meu sonho eu escalei o evereste no caminho atravessei uma trilha de cadáveres e de neve (de muita neve) lá em cima encontrei o nada era o cimo do evereste algo morto como o tempo também morre e a gente para de notar a cada instante que ninguém liga com o que a gente entrega a esse mundo ao longo da nossa vida (da nossa vida) no meu sonho eu escalei o evereste
3.
Nuvem 02:39
estriada em seu céu a nova nuvem anuncia o iminente derramar-se de um outro dia eis que se encerra outro ciclo ao poente vão-se as mil almas e aqui ficam os doentes mastigo mansa brisa e regurgito o pavor o mundo continua e continua seu horror lá embaixo eu vejo as sombras disso que a cidade é: agruras, ditaduras e frituras com café aves noturnas postes de aço corpos estranhos preenchendo os espaços fluidos corpóreos e oxigênio passos apressados no bueiro um biênio células mortas em apartamentos cinemas fechados engarrafamentos bares, restaurantes bancas de jornal frutas, verduras quartos de hospital
4.
Veleiro 02:14
meu colchão é um veleiro e a vela é o travesseiro sumiu no entanto o mar eu atravesso o vento eu sinto o movimento sem sair desse lugar tudo o que eu vejo é um oceano de cimento onde querem me afogar tudo o que eu vejo é um oceano de cimento onde querem me afogar
5.
Hotel 03:11
deixaram-me preso aqui a fim de me recuperar largaram-me entre mendigos e loucos de amarrar aqui onde morrem os sonhos em noites de enorme luar e os bobos entoam em coro seu canto particular essa casa é meu hotel meu lastro, meu mastro, meu bar o que vejo desde menino destino em que não vou chegar tem cheiro de inseticida o que respiro nesse lugar é o último instante da vida em que ainda se pode voltar nos vincos das horas eu vivo ouvindo a umidade secar nas paredes de couro curtido depois sinto falta de ar essa casa é meu hotel aqui deito pra descansar aqui meu inferno e céu daqui tento não me afastar
6.
Civilidade 02:40
minha cidade é uma alucinação existe lá fora mas aqui dentro não do cais do porto ao bairro são joão tudo não passa de imaginação eu só existo onde eu estou no espaço imediato que os meus olhos veem daquela cidade só memória restou foram-se os carros foi-se você também os becos e as garagens morreram de exaustão bem como a verdade entrou em combustão de outras paisagens eu até abro mão prefiro a vadiagem do que a destruição o que é civilidade? o que é civilização?
7.
Metáfora 02:27
faz tanto tempo que eu estou aqui trancado e isso não é uma metáfora não há figura de linguagem que dê conta da realidade só tenho ido ao supermercado e mesmo assim não tenho vontade não vou rimar nem fazer sentido daqui a uns anos isso talvez pareça ridículo no entanto agora é o que eu sinto de que importa como eu me sinto? faz tanto tempo que estou trancado dentro de casa só as paredes e como eu me sinto
8.
eu passei a noite em claro vendo um documentário que tratava, entre outras coisas, do sistema financeiro nesse mundo monetário, em que tudo é muito caro, qualquer um é milionário ninguém sofre por dinheiro mais tarde fui pro quarto não sei bem que horário mas já era muito tarde ou ainda muito cedo de olhos bem fechados mas ainda acordado mergulhei no imaginário enxerguei-me num espelho ele era magro apesar de sedentário e tinha um problema sério em ambos os joelhos de aspecto cansado percebi que era velho estava bem grisalho o que restava de cabelo em seu rosto enrugado um sorriso temerário intuí, nisso baseado, era puro esgotamento ele soltou um pigarro que soou-me funerário e com olhos de larápio dirigiu-me seu desprezo fiquei tão perturbado preocupado com trabalho aí virei pro lado e dormi o dia inteiro
9.
Dia X 03:20
a poeira sobe e a cidade some você tem horas, casa e muita fome não há lugar que sirva de abrigo não há lugar no mundo antigo talvez agora você arrefeça descansando a sua cabeça isso não é paz e não é descanso não será fugaz e não será manso você quer poeira e o mundo some você quer um rosto e um sobrenome
10.
às vezes eu acordo sem querer acordar éu levanto da cama deito no sofá eu ligo a tevê querendo desligar na janela o vento começa a sussurrar eu ouço muitas coisas nada que me dê prazer os sons de uma cidade sem vontade de viver pássaros, relógios, ônibus e aviões homens e mulheres em suas procissões incerto do que eu ouço já não quero ouvir nada disso e ainda eu sigo por aqui o silêncio é um luxo que eu nunca vou conseguir o silêncio é um luxo que eu nunca vou conseguir

about

Dez canções escritas durante a pandemia. Eu poderia parar por aí e não estaria mentindo. Evereste é isso, mas também não apenas isso.

Formalmente, representa um esforço consciente de afastar a influência da música rock. O que busquei aqui, está bem evidente, é passear por um repertório de possíveis eletronismos lo-fi – algo que vai do synthpop ao bedroom pop e qualquer outra denominação que flutue no entorno.

Os sons eletrônicos de Evereste servem de pano de fundo às recorrentes imagens e obsessões que me acompanham há alguns anos, agora colocados no contexto dessa imensa tragédia brasileira.

Na faixa “Metáfora”, afirmo que não há figura de linguagem que dê conta da realidade. As canções de Evereste brotaram dessa premissa, a de um vocabulário em crise, de uma compreensão da realidade gradualmente erodida por uma realidade a qual não pode ser aplicada.

Como o prisma que refrata a luz que o atravessa, dividindo-a nas cores do espectro, as dez canções de Evereste são impressões passageiras, histórias inconclusas e pensamentos inconvenientes, todos nascidos nesse longo período de luto e isolamento.

É um álbum insone dormindo um sono profundo, atento ao ritmo circadiano e perdido nos dias.
É um dormir exausto e acordar cansado, um testemunho e testamento.
É a transmutação de um vácuo a outro, um atestado de banalidade transcendental.
Do pavor de um buraco negro ao palatável marasmo do ruído branco.

Evereste é um dos álbuns mais íntimos que já gravei. Talvez seja também um dos meus melhores. É um dos meus preferidos, disso tenho certeza. Serviu para traduzir muito do que eu vinha sentindo e não era capaz de nomear.
Isso por si só já está suficientemente bom.

credits

released October 26, 2021

Gravado entre abril e junho de 2021.

Escrito e produzido por
Matheus Borges

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about

Nosso Querido Figueiredo Porto Alegre, Brazil

Figueiredo iniciou sua jornada em 2008. Desde então, gravou dezenas de álbuns caseiros.
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